quinta-feira, 19 de março de 2009

Abaixo os caras-pálidas?

No meio jurídico, são muito comuns os boatos sobre esse ou aquele procurador, sobre esse ou aquele juiz etc. Um determinado advogado não gostou de uma decisão de um magistrado, e então passa a esculhambá-lo perante seus colegas, em qualquer roda de conversa que se forme: "Aquele ali é um ladrão safado! Meu direito era bom, mas ele nem leu o meu recurso! Deve ter recebido um toco da outra parte". E assim o boato vai-se espalhando.
O mesmo ocorre com os Desembargadores e com os Ministros dos Tribunais Superiores. Basta um certo advogado perder uma causa que considerava ganha... Pronto! O julgador é desonesto, é corrupto, é safado. O julgamento é sumário, sem direito de defesa.
O Ministro Marco Aurélio é uma vítima dessa indústria de julgamentos idiotas. É um dos mais antigos Ministros do Supremo Tribunal Federal e, com certeza absoluta, um dos mais preparados e dedicados Ministros que a nossa Corte Maior já teve. Duvida de mim? Então acompanhe os julgamentos do Plenário, que são transmitidos pela TV Justiça. Você verá que ele conhece a jurisprudência do STF como nenhum outro Ministro, presta atenção em todos os votos dos seus colegas (enquanto outros dormem, conversam, levantam...), faz sempre as observações mais pertinentes e, quando é o relator, prepara votos extensos e muito bem fundamentados.
Ora, você deve esntão estar se perguntando: por que ele é uma vítima da indústria de julgamentos idiotas? E a resposta é simples: porque Marco Aurélio quase sempre vai contra a corrente, contra o consenso fácil que se forma nos mais variados temas polêmicos que são discutidos nos casos julgados pelo Supremo. E não são poucos os casos. Marco Aurélio quase sempre é voto vencido. Mas seus argumentos quase nunca são rebatidos. Ele perde porque a maioria o esmaga. Ele até publicou um livro com uma compilação de seus votos, cujo título foi perfeito: "Vencedores e vencidos".
Por que falo disso neste post? Porque ontem Marco Aurélio passou mais de 7 horas lendo seu voto de mais de 100 páginas no julgamento do caso da demarcação de terra indígena "Raposa Serra do Sol". O voto é excelente! Ele escancara uma série de irregularidades no procedimento de demarcação (não foram ouvidas todas as comunidades indígenas nem o Conselho de Defesa Nacional, como manda a nossa Constituição), alerta para a ausência de razoabilidade do procedimento (19 mil índios numa terra equivalente a 12 vezes a cidade de São Paulo) e destaca a necessidade de reconhecer situações consolidadas no tempo (os índios estão aculturados e pessoas têm títulos de propriedade reconhecidos pelo INCRA e por decisão do próprio STF). A cara de alguns Ministros, durante a leitura de certos trechos do voto, era de espanto. Deviam estar pensando: "Meu Deus, eu quis ser apenas politicamente correto, mas olha a bobagem que eu estou fazendo".
Esse voto do Ministro Marco Aurélio, assim como muitos outros que ele já proferiu (leiam o livro "Vencedores e vencidos"), merece ser lido e relido. O pensamento de manada, politicamente correto, que adere ao consenso fácil, chegou ao Supremo Tribunal Federal. Como seria bom se todos os membros daquela Corte tivessem o preparo e a dedicação do Ministro Marco Aurélio. E também a sua coragem.

quarta-feira, 4 de março de 2009

A Folha erra e acerta.

Todos devem ter ouvido falar ou lido algo a respeito do editorial da Folha de São Paulo que chamou a ditadura brasileira de "ditabranda". O termo não é novo, a Folha apenas o aproveitou no editorial. De qualquer forma, foi um erro. Mas qualquer leitor com um mínimo de inteligência e capacidade de interpretação perceberia que o editorial queria apenas demonstrar que, em comparação a outros regimes autoritários da América Latina, a ditadura militar brasileira matou menos, por exemplo (bem menos!). Isso, todavia, não torna a nossa ditadura branda, porque qualquer ditadura é perversa: além de matar, ela acaba com as liberdades individuais e instaura o medo e a insegurança. Definitivamente, o uso do termo não foi adequado.
Mas a reação de algumas pessoas foi mais equivocada ainda, sobretudo porque oportunista e sem nenhuma sinceridade. Foram os casos de Fábio Konder Comparato (semrpe ele!) e de uma professora petista da USP, Maria Victoria Benevides, que atacaram veementemente o jornal, exigiram retratação etc.
Aí veio o grande acerto da Folha, em sua resposta curta e grossa: “A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa”.
Perfeito!