segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Boa aventura: viaje no pensamento esquerdopata intelectualizado e cheio de consciência social de Boaventura de Sousa Santos.

A Folha de São Paulo me ajuda muito a desmascarar certas figurinhas carimbadas da esquerdopatia. Semana passada ela me mostrou a verdadeira face de um autor do qual ouvi falar muito no meu mestrado na UFPE. Trata-se de Boaventura de Sousa Santos. Tive que ler o que ele escrevia mais de uma vez. Tive que fazer um mini-curso com uma professora especialista em Boaventura. Semana passada ele escreveu artigo na Folha sobre a crise americana. Meu Deus, foi um festival de bobagens! Não faltaram jargões esquerdistas e sobraram críticas ao capitalismo e ao neoliberalismo. Pelo que eu entendi, ele defende que a transformação do Estado num antro de corrupção é uma tática de marketing do capitalismo neoliberal. Meu Deus do céu!!!
Ele permeia seu texto com doses de antiamericanismo e flertes com o contexto político atual da América Latina (deve ser mais um boboca admirador de Fidel, Chávez e cia), culminando com uma pequena levantada de bola para o Forum Social Mundial.
É, amigos, esse cara tá cheio de coisa "séria" escrita por aí, viu? E muita gente lê e gosta...
Deliciem-se com o texto dele publicado na Folha, que segue abaixo.
...
O impensável aconteceu
Boaventura de Sousa Santos
Esta não é a crise final do capitalismo e, mesmo se fosse, talvez a esquerda não soubesse o que fazer dela
A PALAVRA não aparece na mídia dos EUA, mas é disso que se trata: nacionalização.
Perante as falências ocorridas, anunciadas ou iminentes de importantes bancos de investimento, das duas maiores sociedades hipotecárias do país e da maior seguradora do mundo, o governo federal norte-americano decidiu assumir o controle direto de uma parte importante do sistema financeiro.
A medida não é inédita. O governo interveio em outras crises profundas: 1792 (no mandato do primeiro presidente do país), 1907 (o papel central na resolução da crise coube ao grande banco de então, J.P. Morgan, hoje, Morgan Stanley, também em risco), 1929 (a Grande Depressão: em 1933, mil norte-americanos por dia perdiam suas casas para os bancos) e 1985 (crise das associações de poupança e empréstimo).
O que é novo na intervenção em curso é sua magnitude e o fato de ela ocorrer ao fim de 30 anos de evangelização neoliberal conduzida com mão-de-ferro em nível global pelos EUA e pelas instituições financeiras por eles controladas, FMI e Banco Mundial: mercados livres e, porque livres, eficientes; privatizações; desregulamentação; Estado fora da economia, porque inerentemente corrupto e ineficiente; eliminação de restrições à acumulação de riqueza e à correspondente produção de miséria social.
Foi com essas receitas que se "resolveram" as crises financeiras da América Latina e da Ásia e que se impuseram ajustamentos estruturais em dezenas de países. Foi também com elas que milhões de pessoas foram lançadas no desemprego, perderam as suas terras ou os seus direitos laborais, tiveram de emigrar.
À luz disso, o impensável aconteceu: o Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução; cada país tem o direito de fazer prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os ditames da globalização; o mercado não é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua irracionalidade e ineficiência enquanto estas não atingem o nível de autodestruição.
Esta não é a crise final do capitalismo e, mesmo se fosse, talvez a esquerda não soubesse o que fazer dela, tão generalizada foi a sua conversão ao evangelho neoliberal. Muito continuará como dantes: o espírito individualista, egoísta e anti-social que anima o capitalismo; o fato de que a fatura das crises é sempre paga por quem nada contribuiu para elas, a esmagadora maioria dos cidadãos.
Mas muito mais mudará. Primeiro, o declínio dos EUA como potência mundial atinge novo patamar. O país acaba de ser vítima das armas de destruição financeira maciça com que agrediu tantos países nas últimas décadas e a decisão "soberana" de se defender foi afinal induzida pela pressão dos seus credores estrangeiros (sobretudo chineses) que ameaçaram com uma fuga que seria devastadora para o atual "american way of life".
Segundo, FMI e Banco Mundial deixaram de ter autoridade para impor suas receitas, pois sempre usaram como bitola uma economia que se revela fantasma. Daqui em diante, a primazia do interesse nacional pode ditar, por exemplo, taxas de juro subsidiadas para apoiar indústrias em perigo (como as que o Congresso dos EUA acaba de aprovar para o setor automotivo).
Não estamos ante uma desglobalização, mas estamos certamente ante uma nova globalização pós-neoliberal internamente muito mais diversificada. Emergem novos regionalismos, já presentes na África e na Ásia, mas sobretudo importantes na América Latina, como o agora consolidado com a criação da União das Nações Sul-Americanas e do Banco do Sul.
Terceiro, as políticas de privatização da segurança social ficam desacreditadas: é eticamente monstruoso acumular lucros fabulosos com o dinheiro de milhões de trabalhadores humildes e abandonar estes à sua sorte quando a especulação dá errado.
Quarto, o Estado que regressa como solução é o mesmo que foi moral e institucionalmente destruído pelo neoliberalismo, o qual tudo fez para que sua profecia se cumprisse: transformar o Estado num antro de corrupção. Isso significa que, se o Estado não for profundamente reformado e democratizado, em breve será, agora, sim, um problema sem solução.
Quinto, as mudanças na globalização hegemônica vão provocar mudanças na globalização dos movimentos sociais e vão certamente refletir-se no Fórum Social Mundial: a nova centralidade das lutas nacionais e regionais; as relações com Estados e partidos progressistas e as lutas pela refundação democrática do Estado; as contradições entre classes nacionais e transnacionais e as políticas de alianças.
[BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, 67, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007)].

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Como "Edgar" e "João Alfredo" construíram um pouco do que sou hoje...


Não sei o porquê, mas ultimamente tenho me lembrado muito das minisséries televisivas a que assisti quando era criança. Eu era meio estranho: ao mesmo tempo em que adorava os desenhos animados, como todo pirralho da minha idade, era obcecado por séries e documentários. Mas peraí, viu? Eu não era nenhum moleque “cabeça”, metido a adulto. Sempre achei isso ridículo. Criança precoce demais, sobretudo quando se trata daquela precocidade “forçada” – forçada muitas vezes pelos pais, diga-se – é a coisa mais ridícula do mundo, na minha opinião. Criança é criança, adulto é adulto, jovem é jovem... Como diz o funk do momento, “cada um no seu quadrado”. Ou, como disse Falcão, “homem é homem, menino é menino”.
Pois bem. Uma das minisséries que marcaram minha infância/adolescência foi “Anos rebeldes”, da Rede Globo. Xiii, alguém deve estar pensando: “oxe, e ele não é de direita!?”. Ora, esperem que eu molhe o bico, pelo menos.
Em primeiro lugar, eu era muito jovem quando assisti a minissérie. Não tinha muito senso crítico ainda. Mas mesmo assim eu juro que nunca me deixei contaminar muito pelo endeusamento dos “rebeldes” revolucionários. Na minissérie, pelo que eu me lembro, muitas vezes os conflitos entre os “engajados” e os “alienados” eram desenvolvidos com bons diálogos entre os personagens da trama. Claro que a minissérie mitificou (sim, é sem o S mesmo) os esquerdistas que supostamente lutavam pela democracia (eles lutavam mesmo era pela implantação de uma ditadura “deles”, de esquerda, que seria muuuito pior, se é que se pode fazer esse tipo de comparação), e eu posso ter me seduzido um pouco pela onda dos jovens “cabeças”, mas isso não durou muito. Em muitas ocasiões, eu perguntava ao meu pai, meio confuso: “pai, eu acho que Edgar está certo, você não acha?”. Edgar era o personagem interpretado pelo ator Marcelo Serrado, que crescia profissionalmente trabalhando duro enquanto seu amigo João Alfredo, o “engajado” (Cássio Gabus Mendes), combatia os milicos. Os diálogos foram marcantes para mim, assim como um do filme “O que é isso, companheiro?”, que um dia tratarei em outro post. Eu me perguntava: por que o cara que quer trabalhar e viver sua vida é retratado como um escroto, e o outro é endeusado como o mocinho que tem ideais e luta pelo seu sonho? Pô, o outro também tem seus ideais e também está lutando por eles! Por que dizer que uns ideais são mais nobres do que outros? E eu me lembro muito bem de uma noite, em que eu cheguei pro meu pai e perguntei: “pai, você lutou contra a ditadura?”, e ele me respondeu: “filho, eu até que fui a uns encontros, mas neles só havia porra-louca vagabundo. Preferi ir trabalhar e ganhar meu dinheiro”. Confesso que o “clima” de rebeldia da minissérie tinha me contagiado, e fiquei um pouco decepcionado. Mas depois eu pensei bem e concluí que o meu pai estava certo. Papai teve o seu lado “Edgar” e renegou seu lado porra-louca “João Alfredo”.
A minissérie não me trouxe apenas esses questionamentos. Ela também me fez odiar o regime de repressão, a tortura e a censura. Eu ficava indignado com tudo o que acontecia a mando dos militares. E sempre recorria ao meu pai para saber os detalhes.
“Anos rebeldes” foi muito marcante mesmo para mim. Se no começo eu admirava os rebeldes – era impossível não sentir um mínimo de admiração, tamanho o endeusamento que a minissérie promoveu –, no final eu fui criando um certo abuso, mas sem jamais aceitar os desmandos dos milicos. A garota-problema Heloísa (Cláudia Abreu), com suas doidices e modernices, foi começando a me irritar. Mas sua morte trágica foi um choque.
Tudo isso fez com que “Anos rebeldes” tenha sido um dos programas mais importantes que eu vi na minha infância/adolescência. Aquele misto de sentimentos me deixava muito confuso, porque eu era ainda muito jovem. Eu me sentia culpado por não endeusar o João Alfredo, que eu comecei a achar um chato, um idiota, um bobão. Eu pensava: “pô, mas esse cara tá errado!”. E depois eu ficava indignado com a tortura que os milicos praticavam contra um militante. “Anos rebeldes”, portanto, não foi como “Raízes” e “Fuga de Sobibor”, que mencionei nos posts abaixo. Aquelas duas minisséries me marcaram, mas nenhuma delas me trouxe tanta confusão quanto “Anos rebeldes”. Ao fim da minissérie, eu não sabia se estava certo ou errado em muitas de minhas conclusões. Aliás, eu não conseguia tirar muitas conclusões. Meu pai sofreu, viu? Eu o torpedeava com perguntas e mais perguntas...
Hoje eu sei muito bem o que queriam aqueles “rebeldes”. Hoje eu sei que a ditadura militar brasileira foi um período triste da nossa história. Os porões do DOPS criaram uma chaga que dificilmente a jovem democracia brasileira cicatrizará. A tortura e a censura nos rebaixaram moralmente e nos corarão de vergonha por um bom tempo.
Mas tudo isso jamais vai me fazer não enxergar o mal que os “rebeldes” representavam. Os companheiros que pegaram em armas, no campo e na cidade, e que saquearam, seqüestraram e mataram em nome de uma suposta boa causa revolucionária eram tão perigosos – ou mais! – do que os milicos que editaram o AI-5.
Hoje eu posso dizer, sem dúvida e sem confusão: não se deve ter vergonha de nenhum adulto de hoje que foi um jovem “Edgar”, mas é possível, sim, questionar muitas atitudes de adultos de hoje que agiram como um jovem “João Alfredo”.
E mais: “João Alfredo” hoje deve ganhar uma boa pensão como anistiado político, enquanto “Edgar” continua trabalhando e levando sua vida adiante.
É isso...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A banalidade do mal...

A cena é forte!
Um dos jovens judeus que está trabalhando como escravo no campo de concentração de Sobibor é enviado por um guarda da SS nazista para mandar um recado ou coisa parecida a outro guarda. Ele então se desloca até o local do "chuveiro" e vê o que está acontecendo com todos os outros judeus, sobretudo mulheres e crianças. Eles entram nus no galpão e são envenenados com o gás que é solto por um motor a diesel.
Uma criança tenta fugir, e um dos guardas solta um cachorro para atacá-la e matá-la.
Precisa dizer algo mais?

Fuga de Sobibor ("Escape from Sobibor").

Se a minissérie "Raízes", que eu mencionei no post abaixo, marcou minha infância e me fez começar a gostar de estudar história, com certeza a série "Fuga de Sobibor", que assisti na Globo há bastante tempo, me fez começar a gostar de estudar política e a consolidar em minha cabeça as idéias do liberalismo e do individualismo.
"Fuga de Sobibor" é uma série que retrata a única fuga bem sucedida de judeus de um campo de concentração nazista, localizado em Sobibor, na Suíça.
Os judeus (e também prisioneiros soviéticos) chegavam em trens e desembarcavam para a morte. Alguns poucos que sabiam algum ofício eram usados como escravos, enquanto os outros - sobretudo mulheres e crianças - eram mortos em um enorme galpão com gás jogado por um motor a diesel. Os judeus iam para a morte achando que iam tomar banho: o galpão era chamado de chuveiro pelos guardas da SS nazista. Até que um dia um dos judeus presenciou a morte de seus amigos no tal "chuveiro", contou para os demais que estavam escravizados com ele o que viu e a fuga foi planejada. Dos 600 judeus que tentaram fugir, 300 conseguiram. No entanto, dias após quase todos foram recapturados e mortos. Apenas uns 50 conseguiram sobreviver.
Eu era bastante jovem. As cenas eram chocantes. Anos depois Steven Spielberg ganhou o Oscar com o filme "A lista de Schindler", retratando na telona com muita competência o holocausto. Pois eu já conhecia toda aquela crueldade desde os dias em que assisti, atentamente, aos episódios de "Fuga de Sobibor".
De fato, "eu preciso conhecer a natureza do mal se pretendo combater o mal", como bem disse Reinaldo Azevedo num excelente texto publicado no site Primeira Leitura, que tenho guardado até hoje.
As séries "Raízes" e "Fuga de Sobibor" me fizeram, ainda jovem, conhecer um pouco a natureza do mal. Essas séries, portanto, contribuíram - e muito! - para a formação dos meus valores morais, que guardo em mim até hoje.
Conhecendo um pouco a natureza do mal, exposta com muita clareza nessas duas fantásticas séries, eu pude perceber que não há um regime perfeito - porque o homem não é perfeito -, mas também pude formar a convicção íntima de que jamais aceitarei um regime que ignore a liberdade e os direitos individuais.
Claro que eu e o mundo podíamos ter aprendido isso sem que a história precisasse registrar tragédias humanas como a escravidão e o holocausto.
Mas o mundo é assim mesmo, humano como nós. Sempre imperfeito, muitas vezes injusto... Tomara que, pelo menos, esteja aprendendo com os erros do passado e buscando se tornar melhor a cada dia.
O vídeo acima é o fim da série. Se seu inglês estiver bom, você vai entender um pouco o que aconteceu com os poucos judeus que conseguiram escapar com vida. Um deles, aliás, veio para o Brasil, onde se casou se teve filhos.
Assista! Conheça um pouco a banalidade do mal.

Qual é o seu nome? Meu nome é Kunta Kinte!

Com certeza, o programa de TV mais antigo do qual eu me lembro é a série RAÍZES (ROOTS, em inglês), que passou no SBT há bastante tempo. Eu ficava até tarde esperando para assistir. Fiquei impressionado com muitas cenas, o que fez meu pai tentar me impedir de ver a premiada série. Mas ele não conseguiu. Eu vi. Aliás, não só eu. Raízes foi a minissérie televisiva mais assistida de todos os tempos. A série conta a história dos africanos que foram trazidos como escravos para a América, e tem como personagem principal o jovem Kunta Kinte. O objetivo principal da minissérie é mostrar a saga dos negros na sociedade americana, desde a escravidão até o movimento dos direitos civis de Martin Luther King.
Eu já encontrei pela internet um jeito de comprar os DVD's da série.
Se você nunca a assistiu, dê uma olhada no vídeo acima. É a cena mais marcante, na minha opinião. Kunta Kinte é "rebatizado" de Tobby pelo seu "dono", mas se recusa a aceitar o novo nome, mesmo sendo obrigado a repeti-lo a chicotadas.
Não vejo a hora de rever todos os episódios. Você deveria fazer o mesmo.

Coletivo x Indivíduo

Eu sou um liberal, mas isso todos aqueles que leram a frase que abre esse blog já sabem. É do livro "A riqueza das nações", clássica obra de Adam Smith, o pai do liberalismo econômico. Já fiz até um post, do qual gosto muito, sobre isso. É um que vem acompanhado de um trecho do excelente filme "Uma mente brilhante", que conta a história de John Nash, aquele que desenvolveu a "teoria dos jogos" e o famoso "dilema do prisioneiro". Dêem uma lida lá embaixo. Eu gostei muito de ter escrito aquele post.
Há uma semana, debati na OAB de PE com um colega professor sobre a famosa "Lei seca". A pletéia era de estudantes de Direito, a maioria meus alunos. Tentei "viajar" um pouco: embora tenha destacado alguns aspectos jurídicos questionáveis da lei, optei por alertar meus jovens discentes quanto ao perigo maior que está por trás dessa e de outras medidas recentes do atual Governo. O Estado está em guerra contra o indivíduo! E, se nós, os indivíduos, deixarmos, o Estado nos aniquilará.
Alguém pode estar pensando: peraí, que exagero! Não vejo isso tudo...
Acho que você deve enxergar melhor. Quando digo que o Estado está em guerra contra o indivíduo, não espero comprovar minha tese citando medidas autoritárias ostensivas. Claro que não. O Estado, na verdade, está nos enganando, fazendo com que nós entreguemos a ele nossos direitos individuais, acreditando que ele é o nosso protetor, e que só age em prol do bem comum de todos. Conversa fiada, gente! Essa é uma idéia pobre em termos de teoria política.
Lembrando desse debate hoje, eu recordei de uma excelente entrevista que o psicanalista Contardo Caligaris concedeu a Reinaldo Azevedo, na extinta revista Primeira Leitura, da qual eu era assinante. Nela, Contardo aponta o perigo de que eu falei acima, e destaca que a supremacia do coletivo sobre o indivíduo pode ser a origem do mal! Eu tenho a revista aqui na minha frente! E consegui encontrá-la na internet. Separei o trecho que interessa a esse post, destacando as partes que mostram bem meu ponto de vista. Segue:

(...)
REINALDO: Você endossaria a frase do Samuel Johnson de que o patriotismo é o último refúgio do canalha?
CONTARDO: Sem nenhuma dúvida. Qualquer tipo de fidelidade que passa na frente do foro íntimo é, para mim, a definição do mal.
REINALDO: É a destruição do indivíduo.
CONTARDO: Exatamente. Porque, quando isso acontece, aí tudo é permitido. No fundo, a única coisa que coloca limites ao horror, para mim, é o foro íntimo. Eu digo que é o mal porque é a definição do mal do século 20, que deu no fascismo, no nazismo, no stalinismo, em Pol Pot.
REINALDO: Há uma demonização do indivíduo hoje em dia.
CONTARDO: Ah, completamente! E por conta de um equívoco. Para mim, individualismo é uma palavra nobre. Louis Dumont é um dos meus mentores intelectuais. Acho que ele é um colosso da antropologia do século 20. O individualismo não tem nada a ver com o egoísmo, mas com uma sociedade em que o indivíduo é um valor superior à comunidade. Eu sei que você gosta disso porque, outro dia, fez alusão a esse pensamento naquele encontro, e eu disse para mim mesmo: “Ah, pensamos do mesmo jeito”. Pois bem: nós dois compartilhamos da idéia de que a tendência antiindividualista é muito presente na parte menos interessante do Iluminismo francês, especificamente em Rousseau. O conceito da vontade geral é verdadeiramente uma das raízes ideológicas do que aconteceu de pior no século 20.
REINALDO: Outro dia escrevi um texto dizendo que Rousseau é o pai de todos os autoritarismos. O que eu recebi de porrada foi uma coisa fabulosa!
CONTARDO: Mas ele é! O conceito de vontade geral é um perigo ideológico. O lado do Iluminismo francês que me interessa é Montesquieu. Mas, depois disso, o que me interessa é Locke, Smith... Não deixa de ser curioso que o Iluminismo anglo-saxão não tenha feito muito escola. É considerado inferior ao francês. E a realidade é que o francês produziu o Terror, Napoleão e volta dos Bourbon, depois Napoleão 3º. E, de fato, antes que a França se tornasse republicana, passou-se um século, enquanto o pensamento inglês do século 17 e 18 produziu uma monarquia com uma Magna Carta, produziu os EUA. Não estou inventando nada. Hannah Arendt foi a primeira a dizer que a verdadeira revolução do século 18 foi a americana, não a francesa.

Estamos vivendo num Estado policial? Eis as opiniões de um boboca e de um pensador.

Na Folha de São Paulo de sábado (06/09), a seção de opinião perguntou o seguinte: "Você se sente vivendo num Estado policial?".
Seguiram-se à pergunta dois textos, um dizendo que NÃO, e outro dizendo que SIM.
O texto do NÃO era de Renato Janine Ribeiro, um dos bobões do jornalismo lulo-petista-esquerdopata. Ele relembra o passado recente brasileiro, em que vivemos uma ditadura militar, e comparou com o momento atual para chegar à sua conclusão. Depois, se complicou um pouco criticando esse período "Big Brother" que vivemos atualmente, em que todos são vigiados em qualquer lugar, e finalizou dizendo que a saída é usar a internet como "praça pública" de defesa da democracia e da liberdade.
O que vale a pena mesmo é ler o artigo do SIM, escrito pelo professor de filosofia da Unicamp Roberto Romano, sempre uma voz lúcida no meio das trevas do jornalismo parapetista.
Segue o seu texto:
SIM
"O QUE você acha da situação política? Nada, porque tenho um primo que achava e até hoje não o acharam!".
A infeliz anedota, que ouvi na cela do presídio Tiradentes, quando ali estive detido por mais de um ano sob a ditadura, permite captar o pavor que aniquila a fé pública no Brasil. O jogo de sentidos sobre o ato de achar revela o perigo: quem se imagina livre num regime de força cedo ou tarde é "achado" por delação ou escutas telefônicas. Esperança e medo movem toda vida estatal, mas, com o arbítrio, o medo anula o diálogo, base do Estado digno de respeito.
O segredo, nos coletivos que atenuam a fé pública, impede a segurança das pessoas. Quanto mais costumeiras as espionagens sigilosas, menos domínio tem o "homem comum" de sua vida e consciência. O poder sem regras estupra a lei e paralisa todos os setores sociais ou de mercado.
As revoluções inglesa, norte-americana e francesa dos séculos 17 e 18 exigiram a responsabilização dos governantes e respeito à ordem privada. Mas logo espiões de Cromwell e de Robespierre deturparam as novas formas democráticas. O medo favoreceu o retorno das tiranias dirigidas ao controle da sociedade civil.
A lógica da espionagem estatal é descrita pelo inimigo do liberalismo, o conservador Donoso Cortés no "Discurso sobre a Ditadura" (1849). O poder de Estado usurpa a onisciência divina, além da onipotência: "Não bastou aos governos 1 milhão de braços, não lhes bastou 1 milhão de olhos. Eles quiseram 1 milhão de ouvidos, e os tiveram com a centralização administrativa, pela qual vieram parar no governo todas as reclamações e queixas. (...) Mas os governos disseram: não me bastam, para reprimir, 1 milhão de braços; não me bastam, para reprimir, 1 milhão de olhos; não me bastam, para reprimir, 1 milhão de ouvidos; precisamos ter o privilégio de nos encontrar ao mesmo tempo em todas as partes. E tiveram isso, pois se inventou o telégrafo".
O texto é do século 19. Depois apareceram o telefone, a internet e todos os mecanismos manipulados por agentes clandestinos.
A cultura da bisbilhotice oficiosa, portanto, não é recente e se enraíza nas camadas profundas da sociedade. E, naquele inferno da consciência, ela aborta qualquer democracia liberal.
Quando recordo o período autoritário e reflito sobre os nossos órgãos secretos, sinto medo. Sei o que se esconde em serviços oficiais que podem invadir nossos corpos e pensamentos, sem defesa possível. E me preocupa ouvir o ministro da Justiça parolar sobre a fatalidade das escutas clandestinas. Não estou isolado ao me perceber numa imensa jaula, quando deveria habitar um país livre.
Quem, hoje, nos ministérios, nas universidades, nas igrejas, nas Forças Armadas e na própria polícia está livre de controle subversivo e predatório, com as inevitáveis grazinas que erodem a segurança do Estado?
Foi por senda idêntica que Gestapo e KGB dominaram os oficiais militares em proveito de partidos e grupos ilegais. Na URSS, da espionagem estatal falida brotaram máfias de todos os tipos que atormentam a Rússia.
Um órgão jungido aos poderes públicos invade gabinetes oficiais. Mas, para chegar até aquele espaço, seu escudo é a lei 9.883/99 (Abin) e o decreto 3.448/00, que facultam "identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais, além de promover a coleta, busca e análise de dados e de produzir conhecimentos que subsidiem decisões na esfera de inteligência dos governos federal, estadual e municipal". Tais premissas garantem a usurpação da ordem soberana, com auxílio de alguns magistrados.
Lúcido Norberto Bobbio, para quem todo poder oculto "não transforma a democracia, mas a perverte. Não a golpeia mais ou menos gravemente em um de seus órgãos vitais, mas a trucida".
Sempre que, graças à coragem da imprensa, percebo as estrepolias dos arapongas, recordo os versos de Rimbaud: "Eis o tempo dos assassinos". Se não matam os corpos com a facilidade de antigamente, eles aniquilam a esperança. O Brasil, com auxílio do segredo e da corrupção endêmica, é imenso e melancólico sepulcro do sonho democrático.
ROBERTO ROMANO , 62, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de, entre outras obras, "Moral e Ciência - A Monstruosidade no Século XVIII".

Vale uma enquete...

Muitos têm me perguntado em quem eu vou votar nessa eleição municipal. Eu sempre respondo o seguinte: "vou votar no candidato anti-PT, obviamente". Resta saber quem assume bem esse papel...