quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Maranhão acredita na liberdade!

Mais um post que escrevi para o blog do Líber, sobre a palestra que proferi em São Luís hoje sobre o projeto de novo Código Comercial:

Acabei de chegar de São Luís. Hoje pela manhã proferi uma palestra sobre o projeto de novo Código Comercial brasileiro na III Jornada de Ciências Cíveis e Criminais do Maranhão. Eu reproduzi, basicamente, as idéias que havia lançado num artigo escrito há alguns meses: http://www.pliber.org.br/Artigos/Details/35.

Na palestra, fui ainda mais incisivo na defesa do livre mercado do que no texto. À parte algumas considerações técnicas relativas à minha área, o direito empresarial (critiquei a o dirigismo contratual da nossa legislação, defendi o uso da arbitragem nos contratos empresariais, preguei a criação de órgãos auto-regulatórios nos diversos setores do mercado etc.), não me furtei a fazer também algumas considerações políticas, criticando duramente a nossa cultura estatista e nossa política estatal intervencionista: tributo é roubo, regulamentações só servem para criar reserva de mercado, pacotes de socorro desnaturam a essência do capitalismo, leis trabalhistas mais prejudicam que beneficiam os trabalhadores etc. foram frases que eu disse, com todas as letras, para uma platéia de mais de 700 pessoas, quase todos estudantes de direito.

Finalizei minha fala repetindo a frase final do meu artigo ("um bom CCom é o que deixa o mercado funcionar") e lembrando a conhecida Revolta de Beckman, ocorrida em São Luís no ano de 1864, quando os maranhenses se rebelaram contra a Companhia de Comércio do Maranhão, que ganhou do estado o monopólio de toda a atividade mercantil na região por 20 anos. Já naquela época o estado se metia a regular a economia, favorecendo os bem relacionados e prejudicando todos os demais, sobretudo os consumidores mais pobres.

Para minha felicidade, a receptividade a essas idéias foi muito boa. Várias pessoas - muitos jovens! - vieram falar comigo ao final do evento. Ouvi de muitos a seguinte frase: "finalmente eu escutei alguém dizer o que eu penso". Uma senhora, que se disse empresária, me cumprimentou efusivamente.

De tudo o que eu vi e vivi hoje em São Luís, tiro uma conclusão: existe um número bem maior do que imaginamos de pessoas que acreditam na liberdade e que podem ser convencidas de que a ordem espontânea é mais ética e mais eficiente do que a (des)ordem coercitiva imposta pelo estado.

Hoje foi, sem dúvida, um dos dias mais felizes e marcantes da minha vida.

A veia libertária de Monteiro Lobato.

Mais um post que escrevi para o blog do Líber, depois de passar muito tempo sem escrever nada:

Ontem eu li um texto sobre Monteiro Lobato, escrito pelo meu colega de magistério Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Recomendo a leitura: "para Lobato, advogado é inseto que faz plantas secarem".
Ao ler o texto, pude perceber que o grande escritor Monteiro Lobato tinha uma veia libertária e tanto, e a exercia com maestria em vários contos em que criticava de forma veemente o fisco e o funcionalismo público. Vejam essas passagens do texto do professor Godoy:

"Lobato foi um crítico mordaz do modelo tributário. Em Idéias de Jeca Tatu ao descrever a chegada da família real portuguesa no Brasil, Lobato chama a atenção para o desembarque de um personagem:

O Fisco — um canzarrão tremendo de dentuça arreganhada 3 é conduzido no açamo por vários meirinhos.

E, em outra obra, verificava no Fisco uma herança portuguesa:

Portugal só organizou uma coisa no Brasil-colônia: o Fisco, isto é, o sistema de cordas que amarram para que a tromba percevejante siga sem embaraços. Quem lê as cartas régias e mais literatura metropolitana enche-se de assombro diante do maquiavélico engenho luso na criação de cordas. Cordas trançadas de dois, de três, de quatro ramais; cordas de cânhamo, de crina, de tucum, de tripa; cordas estrangulatórias de espremer o sangue amarelo e cordas de enforcar.

E continua, agora a propósito do Imposto de Renda:

A invenção do novo borzeguim — imposto de renda — excede a tudo quanto saiu da cabeça dos inquisidores: a vítima ignora o que tem de pagar e se não paga com exatidão incide em pena de confisco! E se em desespero de causa pede ao Fisco que lhe explique o mistério, que lhe dê a chava vertical e horizontal do quebra-cabeças, o marquês de Sade sorri e responde diagonalmente: — Pague com cheque cruzado, e explica com grande ironia de detalhes como se toma de uma régua, duma pena molhada em boa tinta e como se cruza um cheque.

A ironia é implacável. O suposto devedor, ao perguntar por que deve, tem como resposta o como pagar. É a imagem da repartição pública onde o devedor, ao questionar fato gerador, base de cálculo, lançamento, multa, juros de mora, tem como resposta o regular preenchimento de um guia de recolhimento. Para Lobato, a imposição tributária é perene na vida do cidadão. Começa bem cedo, com as primeiras providências do dia, nos hábitos, nos vícios:

Pela manhã, ao acender o primeiro cigarro, tem que gastar o esforço de duas unhadas para romper o selo com que o fisco tranca as caixas de fósforo e os maços de cigarro.

O escritor defendia a vinculação tributária. Não há como, segundo ele, tributar sem se oferecer uma contraprestação. É o que se subsume da passagem:

O imposto não se justifica sem uma equivalente prestação de serviços. Fora daí é puro roubo.

Lobato era irredutivelmente agressivo para com o Fisco, que qualificava com os mais negativos impropérios. Escreveu:

Que é o fisco senão um “sistema de embaraços” opostos à livre atividade do homem, que deles só se livra por meio de entrega ao Estado de uma certa quantidade de dinheiro.

A tributação, para Lobato, vislumbra iniquidades que mudam o rumo da história. A Inconfidência Mineira é um exemplo e Lobato sugere outro, tomado da história universal:

A história da civilização cabe dentro da história do Fisco. Grandes convulsões sociais, como a Revolução Francesa, tiveram como verdadeira causa as iniquidades do Fisco.

Não há prazer no recolhimento, para Lobato, principalmente quando não se tem nada em troca. A obrigação tributária, para Monteiro Lobato, é odiosa:

Pagar impostos é coisa desagradável porque significa dar moeda em troca de coisas que não nos aproveitam diretamente. Em todos os tempos o homem sempre fugiu de pagar impostos. Paga-os compulsoriamente.

Lobato acreditava que além das imposições compulsórias em moeda havia também outra imposição, que da nação tirava trabalho e esforços. Porém, vale-se de imagem metafórica, comparando o esforço que o Estado tira das pessoas com o esforço decorrente da abertura da caixa de fósforos, lacrada com o selo do imposto de consumo. Vejamos a passagem:

— O esforço que acabo de fazer para abrir esta caixa de fósforos repete-se no Brasil 5 milhões de vezes por dia. Supondo que um quilogrâmetro de força muscular dê para abrir 200 caixas, teremos um dispêndio de 333 cavalos-vapor para abrir os 5 milhões de caixas que se abrem diariamente, ou sejam, num ano, 121.500 cavalos. É o esforço, o dispêndio inútil de energia que um simples selo, grudado às caixinhas de fósforos, exige do país.

No livro Negrinha, Lobato estampou um conto, chamado O Fisco, onde se vale da ficção para chicotear as iniqüidades tributárias que tanto combatia. A estória se passa em São Paulo. Um menino, de família humilde, maltrapilho, com sua caixa tosca de engraxate, feita pelas próprias mãos, pensou em ajudar a família, trabalhando como engraxate, nas ruas de São Paulo. O garoto, sem autorização da Prefeitura (e ele nem sabia o que era ou porque havia necessidade disso) fora surpreendido pelo fiscal:

— Então, seu cachorrinho, sem licença, heim? Exclamava entre colérico e vitorioso, o mastim municipal, focinho muito nosso conhecido.

E continua Lobato:

A miserável criança evidentemente não entendia, não sabia que coisa era aquela de licença, tão importante, reclamada assim a empuxões brutais.

A família, muito pobre. Após narrar os dramas dessas famílias, que viviam no Brás, no início do século, Lobato imagina a criança de volta para a casa:

Horas depois o fiscal aparecia em casa de Pedrinho com o pequeno pelo braço. Bateu. O pai estava, mas quem abriu foi a mãe. O homem nesses momentos não aparecia, para evitar explosões. Ficou a ouvir do quarto o bate-boca.O fiscal exigia o pagamento da multa. A mulher debateu-se, arrepelou-se. Por fim, rompeu em choro.

E a mulher teve de pagar:

Mariana nada mais disse. Foi à arca, reuniu o dinheiro existente — dezoito mil réis ratinhados havia meses, aos vinténs, para o caso dalguma doença, e entregou-os ao Fisco.

Lobato, ainda, anota o epílogo, começa com o Fiscal:

E foi à venda próxima beber dezoito mil réis de cerveja.

Por fim, quanto ao menino:

Enquanto isso, no fundo do quintal, o pai batia furiosamente no menino.

O conto dimensiona, a partir de uma questão tributário-administrativa, o problema da justiça. Lobato valeu-se do conto para expressar sua opinião sobre um funcionalismo corrupto, arrogante e ineficiente. Edgard Cavalheiro reproduziu em sua biografia passagem de Lobato, que qualifica a premissa:

Não há serviço público que não empregue cinco homens, pessimamente pagos, para fazer, malfeitíssimamente, a tarefa que um só, bem pago, faria a contento.

A concepção tributária de Lobato é muito próxima de suas ideias de justiça. Como homem de negócios, de ação, pôde Lobato viver, de experiência própria, os efeitos nefastos de um modelo tributário agressivo e ineficiente. No conto O Fisco, Lobato dimensionou a questão em nível de drama humano, que vivera ao longo de sua vida de homem de negócios. Para o escritor, a miséria radicava na desigualdade da distribuição dos bens, que, poderia ser mitigada por um sistema tributário mais humano. Escreveu Lobato:

— E que é a miséria senão a consequência última da injustiça na distribuição dos bens?

A guerra que Lobato fazia ao fisco (e que de certo modo tem resultados, dada a imunidade tributária dos livros, que tanto defendeu) é mais uma faceta de seu espírito combativo. A circunstância traduz, identificando sistemática oposição à imposição tributária irracional, mais uma perspectiva de desilusão jurídica.

Lobato acreditava que a vida do operador jurídico é vazia porque as condições determinantes da justiça são estruturais, dependentes da justiça econômica, fundamentada na boa distribuição de renda. Imaginava nosso Brasil um país de tavolagem e em crônica, que leva esse nome, escreveu:

Evidente, pois, que só uma solução existe para todos os problemas nacionais: a indireta, a solução econômica. Só a riqueza traz instrução e saúde, como só ela traz ordem, moralidade, boa política, justiça."

Grande Monteiro Lobato! Gostei demais da parte em que ele destaca que a tributação vislumbra iniquidades que mudam o rumo da história. Nada mais atual do que essa afirmação, hein? Afinal, o impostômetro está perto de chegar à marca de R$ 1 trilhão (se é que não já chegou...) e ainda se fala na recriação da abominável CPMF. Vamos ficar parados?
P.S.: se Monteiro estivesse vivo, teria o desprazer de saber que os estatistas estão querendo censurar suas magníficas obras, com base nessa moda ridícula do "politicamente correto".