terça-feira, 27 de março de 2012

Feliz e triste: um estranho estado de espírito após minha mais importante participação num evento jurídico.


No último final de semana, dias 23 e 24 de março de 2012, aconteceu na sede da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) o 2º Congresso Brasileiro de Direito Comercial, evento que repetiu o sucesso do ano anterior e contou com a presença dos mais renomados juristas ligados ao Direito Comercial/Empresarial no país, dentre advogados, professores, autores, magistrados etc.
O professor Fábio Ulhoa Coelho, idealizador do Congresso e um dos seus organizadores, proferiu uma brilhante palestra de abertura, na qual abordou a relação fronteiriça que há entre o Direito do Trabalho e o Direito Empresarial, destacando o perigo que representa a tese da "subordinação estrutural" nas relações de trabalho, que vem se afirmando nos tribunais da Justiça Trabalhista. Apesar de eu achar que falta ao professor Fábio mais radicalismo na defesa da liberdade contratual (ele, certamente, acha que o meu radicalismo é excessivo), devo dizer que a cada dia o admiro mais, sobretudo pela sua capacidade de trazer novos temas importantes para o debate jurídico, sempre com uma abordagem original e que foge ao superficialismo geralmente reinante no meio acadêmico brasileiro.
Outro momento de destaque do Congresso foi a fala do Ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, na plenária de encerramento do primeiro dia do evento. O Ministro fez um discurso corajoso e enfático em defesa da livre iniciativa, da propriedade privada e do respeito aos contratos. Eu, que tenho a honra e o prazer de desfrutar da sua amizade, confesso que fiquei até emocionado.
Nos painéis de que participei como mero espectador, fiz o papel de chato de sempre, fazendo perguntas provocativas aos painelistas. Afinal, um Congresso desse serve para quê, senão para o confornto de idéias? Não contem comigo para tapinhas nas costas e levantadas de bola.
No painel sobre EIRELI (empresa individual de responsabilidade limitada), apontei o absurdo, no meu modesto entender, de a lei restringir o uso dessa nova figura jurídica: primeiro, limitando a sua constituição apenas por pessoas naturais; segundo, determinando que uma mesma pessoa constitua apenas uma EIRELI. Os palestrantes até concordaram comigo, mas disseram que a lei é assim e ponto final.
No painel sobre contratos empresariais, fiquei muito feliz com a palestra da professora Ana Frazão, diretora da Faculdade de Direito da UnB. Ela falou muita coisa que eu digo em meu livro, como a crítica à aplicação do CDC (Código de Defesa do Consumidor) a relações entre empresários. Na parte das perguntas, questionei o dirigismo contratual nessas avenças, que se manifesta na excessiva tipificação dos negócios, tanto pela lei quanto por normas infralegais (portarias e resoluções de agências reguladoras, por exemplo). Conforme exponho em meu livro, a autonomia da vontade nos contratos empresariais deve ser plena, razão pela qual eu defendo a existência de um princípio da atipicidade para esses contratos, que se manifesta de duas formas: (i) o legislador deve evitar a tipificação de contratos empresariais, deixando as partes absolutamente livres para criar negócios atípicos; (ii) ainda que um contrato seja tipificado, as partes devem poder criar cláusulas que contrariem as regras legais. O professor Fábio Ulhoa, apesar de discordar do princípio da atipicidade que eu defendo existir, disse que a tipificação contratual no Direito Empresarial deve ser mínima, com caráter apenas supletivo da vontade das partes. Menos mal.
No painel sobre propriedade industrial, ocorreu um fato realmente inusitado, quase constrangedor. Após palestras burocráticas sobre o direito de propriedade intelectual, eu resolvi botar lenha na fogueira e, lá do fundão, mandei a seguinte pergunta: "copiar é roubar?". A reação dos componentes da mesa foi estranha: silêncio, entreolhares e gaguejadas, até que alguém disse: "é". Eu então retruquei: "por quê?". Depois do mesmo ritual anterior - silêncio, entreolhares e gaguejadas - uma painelista esboçou uma resposta, falando sobre a importância das patentes como estímulo à inovação. Como eu sou chato mesmo, retruquei novamente, afirmando que fundamentava minha pergunta na obra de Stephen Kinsella (http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=29), o qual desmonta os argumentos a favor da propriedade intelectual, inclusive o de que ela é necessária para estimular a inovação. Eu finalizei dizendo que "não há estímulo maior à inovação do que o imitador". Entre risos da platéia e uma certa estupefação dos palestrantes, o debate se encerrou com um deles dizendo que minha proposta era "indígena", salvo engano. Mas eles foram educados, devo confessar, e o presidente da mesa elogiou meu questionamento, afirmando que em vários anos nunca foi a um seminário para ouvir uma pergunta tão desafiadora.
Finalmente, na última bateria de painéis, já no sábado de manhã, EU fui palestrante. Sim, acreditem! Eu, este radical libertário que, segundo muitos, falo mais do que devo, consegui uma vaguinha entre os mais renomados comercialistas brasileiros. Tema do painel: "atos concentracionais na recuperação judicial". A idéia era discutir duas coisas, basicamente: (i) a teoria da failing firm defense, que prega a relativização do controle antitruste para empresas em crise; e (ii) a possibilidade de exclusão da análise prévia do CADE em atos de concentração originados em processos de falência ou recuperação de empresas.
Iniciei minha fala expondo as bases históricas da teoria da failing firm defense, primeiro nos EUA e depois no Brasil. Depois dessa introdução, critiquei duramente a idéia de que certas empresas possuem o direito de não falir e defendi que, ausente uma solução de mercado, a falência é inevitável. Apontei as diferenças entre soluções de mercado e soluções de governo para crises empresariais, e expus os defeitos destas últimas: criação de risco moral e deturpação da lógica capitalista segundo a qual empresários devem ter lucros privados e prejuízos privados, e não lucros privados e prejuízos socializados.
Depois, dediquei-me a demonstrar que o controle antitruste de fusões e aquisições é incompatível com os princpipios da livre iniciativa e da livre concorrência, ao contrário do que apregoa o mainstream acadêmico. Demonstrei, com exemplos, que (i) as leis antitruste foram forjadas em cima de mitos e falácias, (ii) a teoria econômica que fundamenta o direito antitruste é falha e (iii) os burocratas não possuem superpoderes e, portanto, não conseguirão jamais guiar o mercado. Mostrei que quem mais agride o ambiente concorrencial é o Estado, com a criação de barreiras legais à entrada, e afirmei, claramente, que leis antitruste servem apenas para empresários incompetentes usarem o governo para atacar empresários competentes.
Finalmente, me manifestei sobre alguns aspectos jurídicos mais técnicos do debate e recomendei a todos que lessem o relatório do grupo de estudos preparatórios que coordenei, com o título "análise crítica do direito antitruste": http://www.congressodireitocomercial.org.br/2012/relatorios/2_ANALISE_CRITICA_DO_DIREITO_ANTITRUST.pdf.
Bem, o Congresso foi muito bom? Foi. E participar como painelista num evento desse foi o auge de minha carreira acadêmica? Sem dúvida. Mas então por que o título "feliz e triste" desse post? Não haveria motivos apenas para felicidade? Não. Há motivos para tristeza, sim.
Eu não sei se é por causa do meu radicalismo na defesa do liberalismo econômico ou se é porque sou autor de uma obra superficial, voltada para o público "concurseiro" (http://www.editorametodo.com.br/produtos_descricao.asp?codigo_produto=2307). O fato é que não me sinto levado a sério pelos meus colegas juristas, e tenho receio de, com o tempo, passar a ser escanteado ou tratado como um maluquinho que defende idéias utópicas. Tudo bem, é um direito deles pensar e agir assim no futuro, mas desde que antes eles aceitem pelo menos discutir as idéias que defendo, as quais, diga-se de passagem, não são minhas, mas de uma Escola de pensamento secular, a Escola Austríaca, a qual tem como um de seus representantes um ganhador do Prêmio Nobel (Friedrich A. Hayek), e como seu grande ícone um pensador que, com certeza, está entre os maiores gênios da humanidade (Ludwig von Mises).
Toda a defesa radical que faço do sistema capitalista de livre mercado genuíno (fim do CADE, do BACEN e das agências reguladoras, autonomia privada plena, desregulamentação total de profissões etc.) é fundamentada em uma sólida teoria econômica, política e filosófica: o libertarianismo. Quando eu defendo o fim do CADE, por exemplo, eu o faço com base na obra de acadêmicos respeitáveis, como Dominick Armentano, professor emérito da Universidade de Hartford, e Murray Rothbard, que dispensa apresentações. Em vez de rirem, meus colegas juristas deveriam pelo menos se dar ao luxo de tentar rebater meus argumentos, como eu, ressalte-se, rebato os argumentos deles.
Estou feliz por ver minha obra - que, eu sei, não é nenhum tratado, mas também não é nenhum lixo acadêmico - crescer em vendas progressivamente, atingindo um público de leitores iniciantes cada vez maior. Mas fico triste por não encontrar em meus pares a mínima disposição em debater seriamente as idéias que defendo.

2 comentários:

Epicureu disse...

André, gostaria de ter presenciado sua apresentação. Sou um fã seu, pelo seu livro, mas agora ainda mais pela suas ideias. Não que eu concorde com elas, mas pela maneira como você gosta de abordá-las e discuti-las. Essa é a idéia de um congresso. Sinto pela ignorância de seus pares e acho que você deve fazer o mesmo. Quanto ao seu livro, na minha visão ele tem a acessibilidade necessária a um concurseiro e uma profundidade digna de um livro doutrinário. Não raro, inclusive, você se posiciona no livro comrelação a alguns institutos.
Além disso, o fato de um livro ser claro e sintético não o desqualifica, ao contrário, o torna melhor do que esses livros pedantes e, vez ou outra, vazios de conteúdo.
Parabéns pelo seu trabalho.

André Luiz Santa Cruz Ramos disse...

Obrigado, meu caro.
Forte abraço.