quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Coletivo x Indivíduo

Eu sou um liberal, mas isso todos aqueles que leram a frase que abre esse blog já sabem. É do livro "A riqueza das nações", clássica obra de Adam Smith, o pai do liberalismo econômico. Já fiz até um post, do qual gosto muito, sobre isso. É um que vem acompanhado de um trecho do excelente filme "Uma mente brilhante", que conta a história de John Nash, aquele que desenvolveu a "teoria dos jogos" e o famoso "dilema do prisioneiro". Dêem uma lida lá embaixo. Eu gostei muito de ter escrito aquele post.
Há uma semana, debati na OAB de PE com um colega professor sobre a famosa "Lei seca". A pletéia era de estudantes de Direito, a maioria meus alunos. Tentei "viajar" um pouco: embora tenha destacado alguns aspectos jurídicos questionáveis da lei, optei por alertar meus jovens discentes quanto ao perigo maior que está por trás dessa e de outras medidas recentes do atual Governo. O Estado está em guerra contra o indivíduo! E, se nós, os indivíduos, deixarmos, o Estado nos aniquilará.
Alguém pode estar pensando: peraí, que exagero! Não vejo isso tudo...
Acho que você deve enxergar melhor. Quando digo que o Estado está em guerra contra o indivíduo, não espero comprovar minha tese citando medidas autoritárias ostensivas. Claro que não. O Estado, na verdade, está nos enganando, fazendo com que nós entreguemos a ele nossos direitos individuais, acreditando que ele é o nosso protetor, e que só age em prol do bem comum de todos. Conversa fiada, gente! Essa é uma idéia pobre em termos de teoria política.
Lembrando desse debate hoje, eu recordei de uma excelente entrevista que o psicanalista Contardo Caligaris concedeu a Reinaldo Azevedo, na extinta revista Primeira Leitura, da qual eu era assinante. Nela, Contardo aponta o perigo de que eu falei acima, e destaca que a supremacia do coletivo sobre o indivíduo pode ser a origem do mal! Eu tenho a revista aqui na minha frente! E consegui encontrá-la na internet. Separei o trecho que interessa a esse post, destacando as partes que mostram bem meu ponto de vista. Segue:

(...)
REINALDO: Você endossaria a frase do Samuel Johnson de que o patriotismo é o último refúgio do canalha?
CONTARDO: Sem nenhuma dúvida. Qualquer tipo de fidelidade que passa na frente do foro íntimo é, para mim, a definição do mal.
REINALDO: É a destruição do indivíduo.
CONTARDO: Exatamente. Porque, quando isso acontece, aí tudo é permitido. No fundo, a única coisa que coloca limites ao horror, para mim, é o foro íntimo. Eu digo que é o mal porque é a definição do mal do século 20, que deu no fascismo, no nazismo, no stalinismo, em Pol Pot.
REINALDO: Há uma demonização do indivíduo hoje em dia.
CONTARDO: Ah, completamente! E por conta de um equívoco. Para mim, individualismo é uma palavra nobre. Louis Dumont é um dos meus mentores intelectuais. Acho que ele é um colosso da antropologia do século 20. O individualismo não tem nada a ver com o egoísmo, mas com uma sociedade em que o indivíduo é um valor superior à comunidade. Eu sei que você gosta disso porque, outro dia, fez alusão a esse pensamento naquele encontro, e eu disse para mim mesmo: “Ah, pensamos do mesmo jeito”. Pois bem: nós dois compartilhamos da idéia de que a tendência antiindividualista é muito presente na parte menos interessante do Iluminismo francês, especificamente em Rousseau. O conceito da vontade geral é verdadeiramente uma das raízes ideológicas do que aconteceu de pior no século 20.
REINALDO: Outro dia escrevi um texto dizendo que Rousseau é o pai de todos os autoritarismos. O que eu recebi de porrada foi uma coisa fabulosa!
CONTARDO: Mas ele é! O conceito de vontade geral é um perigo ideológico. O lado do Iluminismo francês que me interessa é Montesquieu. Mas, depois disso, o que me interessa é Locke, Smith... Não deixa de ser curioso que o Iluminismo anglo-saxão não tenha feito muito escola. É considerado inferior ao francês. E a realidade é que o francês produziu o Terror, Napoleão e volta dos Bourbon, depois Napoleão 3º. E, de fato, antes que a França se tornasse republicana, passou-se um século, enquanto o pensamento inglês do século 17 e 18 produziu uma monarquia com uma Magna Carta, produziu os EUA. Não estou inventando nada. Hannah Arendt foi a primeira a dizer que a verdadeira revolução do século 18 foi a americana, não a francesa.

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