segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ainda sobre o exame da OAB, esse atentado à liberdade.

Texto do professor Alexandre Barros, que, coincidente (e para meu orgulho), traz argumentos iguais aos que eu expus no texto abaixo.

Antes que os advogados e seus aliados se preparem para me apedrejar: acho auspicioso que a OAB perca o monopólio de licenciar os advogados, ou seja, só pode exercer advocacia quem a OAB deixar, através de aprovação em seu exame, ou através de qualquer outro mecanismo.
Com meu “habeas corpus preventivo” aviso que também sou a favor de que percam seu monopólio de licenciamento de todas as profissões, todos os conselhos, ordens, sindicatos, federações com quaisquer nomes similares que tenham.
Não tenho nada contra que qualquer associação privada de profissionais mantenha ou venha a estabelecer um sistema de credenciamento de profissionais em sua respectiva área. Ou seja, qualquer associação privada deve ter o direito de aplicar um exame (ou usar qualquer outro método de aferição, por mais esdrúxulo que seja) que seja para dizer que fulano ou sicrano é um profissional credenciado por aquela associação. Acaba aí.
Pessoas certificadas poderão exercer a profissão, bem como as não-certificadas, ou certificadas por outras associações competitivas que se dediquem a certificar profissionais na mesma área. Mas, também poderão exercer a profissão em questão pessoas que escolham fazê-lo sem serem certificadas por ninguém.
Quem tem que resolver se quer contratar o profissional são os clientes. O sistema de credencimento pode servir apenas como uma orientação, não como uma permissão, no sentido legal, que é o que ocorre com o atual sistema de licenciamento profissional no Brasil.
Na ausência de um sistema de licenciamento legal, os possíveis usuários de serviços serão muito mais cuidadosos para escolher quem lhes prestará os serviços. Isso deve valer para advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, farmacêuticos, manicures, motoboys ou qualquer outro profissional.
À primeira menção da proposta de desregulamentar profissões, as pessoas se horrorizam, sobretudo quando se fala de desregulamentar a medicina.
Mas, se lhes dermos tempo para respirar e formularmos a pergunta de outra maneira, por exemplo, “você ou algum parente seu já usou alguma terapia alternativa para algum problema de saúde nos últimos 24 meses”, a maioria das pessoas admite que sim.
Em outras palavras: as pessoas acreditam em terapias alternativas, mas tremem se lhes falarmos de usar médicos não licenciados. Isso deve ter algum nome em psicologia, se tiver ignoro, mas as pessoas tendem a se curvar respeitosamente a algo que se dá pomposos ares de legitimidade, como costumam fazer os órgãos licenciadores, que são apenas legais, mas não necessariamente legítimos.
O problema tem dois lados: do lado do consumidor do serviço, ele poderá escolher quem quiser sem maiores culpas porque não terá o fantasma de um órgão licenciador que dará ares de legitimidade a bons e maus profissionais. Com isso, o consumidor já poderá escapar de poucas e boas.
Do lado dos provedores de serviços, todos passarão a se esforçar mais para prestar melhores serviços às suas clientelas do que para estudar para exames que farão uma vez na vida e lhes darão uma licença para prestar maus serviços quando já tiverem esquecido tudo o que aprenderam para fazer os exames iniciais de licenciamento.
Pode ser que ainda estejamos longe do fim do licenciamento monopolista dos advogados pela OAB. Mas já demos um passo grande quando o STF autorizou qualquer um, sem ter curso de jornalismo, a exercer a profissão.
Para dar uma ideia de como funciona o sistema, na década de oitenta, quando eu era comentarista internacional de uma emissora de televisão aberta, só podia ser pago como colaborador. Como eu não era jornalista, a emissora não podia me contratar como funcionário.
Um dia, José Antonio Severo, meu editor, sugeriu que eu pedisse registro de jornalista, afinal, disse-me ele, “você quase sempre tem um pé na redação de algum jornal ou emissora há tantos anos”.
Segui seu conselho: gastei uma pequena fortuna fazendo cópias de tudo o que consegui localizar nos jornais com os quais tinha colaborado, mais as fitas de meus quase dois anos como comentarista naquela emissora.
Armado da papelada e de fitas de vídeo, lá fui ao todo poderoso sindicato e dei entrada no meu processo. O funcionário me disse que o exame do material demorava três meses.
Depois deles, lá voltei esperançoso e recebi a resposta: meu pedido não tinha sido aprovado. Aí, para minha surpresa, o solícito burocrata perguntou-me:
- Mas eu vi no seu processo que senhor tem um PhD, não é? Respondi que sim.
- Então não se preocupe. É fácil. Vou dizer ao senhor como fazer. Matricule-se numa destas faculdades de jornalismo “pagou-passou.” O senhor entra até sem vestibular e já de cara, pede dispensa de um monte de matérias porque já fez na sua faculdade de sociologia e no seu curso de doutorado. Cursa uma dúzia de matérias para cumprir as exigências e pronto, o senhor será um jornalista profissional.
Outras histórias?
Uma vez estava fisicamente numa faculdade e cortei a mão. Como lá havia um curso de enfermagem e um ambulatório, perguntei onde era e para lá rumei com a mão cortada. Entrei e fui olhado como se fora um extraterrestre recém desembarcado de uma nave.
- Cortei minha mão, alguém pode me fazer um curativo?
Fui olhado como se houvesse perguntado num botequim de esquina se vendiam relógios de ouro marca Vacheron-Constantin.
-Não podemos... porque não temos aqui nenhum médico.
-Mas vocês não são enfermeiros e enfermeiras?
-Somos...mas, curativos, só os médicos podem fazer.
Agradeci, fui ao banheiro e, como bom ex-escoteiro: água, sabão e um lenço limpo. Estava feito meu curativo. Dirigi-me a uma farmácia, comprei Merthiolate, passei no corte e tudo estava resolvido sem usar profissional licenciado algum.
Portanto, profissões licenciadas, dificultam a vida dos consumidores, não garantem qualidade e só servem para limitar a oferta de profissionais e para manter os preços artficialmente altos.
Mas estejam sempre preparados quando o assunto entrar em pauta pois os arautos dos conselhos e ordens estarão sempre dispostos a vestir a defesa do autointeresse dos seus licenciados com as belas roupas da proteção do consumidor e criar normas que limitem a liberdade de trabalhar de quem quer fazê-lo.
Com isso você terá sempre preços mais altos e serviços nem sempre melhores.
Aos jovens advogados: recentemente tive um problema para o qual necessitava de um negociador. Podia ou não desembocar numa causa jurídica. Procurei um jovem advogado, filho de uma amiga, e perguntei se ele podia me ajudar e quanto isso custaria. Ele me disse que sim e me deu o preço, que era absurdamente alto para o que eu poderia receber se ganhasse. Argumentei:
- Mas o valor da minha causa, mesmo que eu ganhe, não vale esse preço.
- Mas essa é a tabela da OAB.
- Bem, então muito obrigado, mas não vou levar adiante.
Portanto, jovens advogados, cuidado, porque o órgão licenciador estabelecerá, muitas vezes preços mínimos que poderão “price you out of the market” ou seja, preços que são tão caros que os clientes desistem e os jovens profissionais acabam perdendo trabalhos potenciais porque os licenciadores fixaram preços mais altos do que o mercado estava disposto a pagar.
O foco deste artigo foi a OAB por causa do parecer recente do subprocurador da república contra a obrigatoriedade do exame da OAB como requisito para exercer a profissão de advogado, mas, basicamente tudo o que eu disse sobre a OAB, vale para qualquer outro órgão licenciador de qualquer profissão.

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