segunda-feira, 11 de julho de 2011

Vem aí o novo Código Comercial brasileiro... Será que vem mesmo?


SEGUE ABAIXO TEXTO QUE ESCREVI RECENTEMENTE SOBRE A PROPOSTA DE UM NOVO CÓDIGO COMERCIAL PARA O BRASIL. DEPOIS DESSE TEXTO, HOUVE ALGUMAS NOVIDADES. A MAIS IMPORTANTE DELAS FOI O PROJETO DE NOVO CÓDIGO COMERCIAL APRESENTADO NA CÂMARA PELO DEPUTADO VICENTE CÂNDIDO, DO PT DE SÃO PAULO. RESTA SABER SE: (i) A PROPOSTA VAI VINGAR MESMO, TORNANDO-SE LEI EM BREVE; (ii) O EVENTUAL CÓDIGO FEITO PELO NOSSO CONGRESSO NACIONAL, DOS DEPUTADOS TIRIRICA E ROMÁRIO, SERÁ UM CÓDIGO BOM, CONDIZENTE COM OS IDEAIS DO LIVRE-MERCADO GENUÍNO.

O novo Código Comercial brasileiro: a última trincheira em defesa do livre-mercado.

                Desde que o professor Fábio Ulhoa Coelho, um dos mais respeitados comercialistas brasileiros, lançou seu último livro (“O Futuro do Direito Comercial”), a comunidade jurídica de nosso país debate a necessidade de edição de um novo Código Comercial, que substitua o atual (datado de 1850 e já quase todo revogado, atualmente tendo apenas regras que disciplinam o comércio marítimo) e revogue a parte do “Direito de Empresa” constante do Código Civil de 2002.
                A tese do professor Fábio Ulhoa Coelho, reforçada no painel de abertura do I Congresso Brasileiro de Direito Comercial, realizado em 25/03 em São Paulo, bem como em debates ocorridos nos dias 27, 28 e 29/04, em 3 capitais nordestinas (Fortaleza, Recife e Natal), dos quais tive a honra de participar, é a seguinte: os valores do Direito Comercial foram esquecidos pelos operadores do Direito e precisam ser urgentemente resgatados. Nas palavras do professor, os valores do Direito Comercial, que compõem o tecido dessa disciplina, estão esgarçados, cabendo a nós a tarefa de recosê-los. Ainda segundo o professor, nada melhor do que a edição de um novo Código Comercial para que tal intento seja alcançado. Um código atento à nova realidade econômica brasileira faria o Direito Comercial ressurgir nos mais variados fóruns de debate jurídico, da academia ao Poder Judiciário.
                Não se pode negar que o professor Fábio Ulhoa Coelho tem absoluta razão. Não por acaso, sua proposta tem sido bem recebida nos meios jurídico, político e empresarial. Com efeito, grandes juristas já manifestaram apoio público à proposta, merecendo destaque o lúcido artigo publicado pelo jurista Arnoldo Wald no Valor Econômico de 29/04. Além disso, importantes autoridades públicas deram sinais de apoio à proposta, como o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que deve instituir em breve comissão para estudar o tema. Na Câmara e no Senado, também em breve, serão realizadas audiências públicas. Finalmente, os empresários, maiores interessados na proposta, também já expuseram publicamente sua adesão a ela, através de grandes associações, como a FIESP.
                Embora não me encaixe em nenhuma das categorias acima listadas – jurista, político ou empresário – ouso manifestar-me sobre o tema, para somar aos argumentos do professor Fábio Ulhoa Coelho em defesa de um novo Código Comercial alguns outros, que entendo serem de extrema relevância.
                Um novo Código Comercial é necessário, basicamente, por dois motivos: (i) corrigir os tristes erros do Código Civil em relação ao Direito Comercial; e (ii) defender o livre mercado.
                A tentativa de unificação legislativa levada a efeito pelo Código Civil de 2002 trouxe graves problemas para o Direito Comercial (hoje também chamado de Direito Empresarial), a saber: a) contratos cíveis e mercantis passaram a ter uma mesma ‘teoria geral’, ignorando-se a enorme distinção que há entre eles; b) normas gerais sobre títulos de crédito foram criadas, em total descompasso com as leis existentes, notadamente a Lei Uniforme de Genebra, incorporada há décadas ao nosso ordenamento jurídico em razão da assinatura de um Tratado internacional; c) a sociedade limitada, antes submetida a um flexível e enxuto arcabouço normativo, tornou-se uma figura societária burocrática e engessada; d) institutos jurídicos receberam tratamento confuso e atécnico, gerando dificuldades interpretativas que trazem insegurança jurídica, como ocorre no caso da difícil distinção prática entre sociedades simples e empresárias; e) velhos costumes jurídicos consagrados na praxe forense, como a desnecessidade de outorga conjugal para prestação de aval por pessoa casada e a possibilidade de contratação de sociedade entre cônjuges independentemente do regime de bens, foram injustificadamente alterados; f) novas figuras jurídicas, já conhecidas no direito estrangeiro, perderam a chance de serem adotadas, como a sociedade limitada unipessoal e o empresário individual de responsabilidade limitada.
                A mera oportunidade de corrigir esses graves erros decorrentes da unificação legislativa, copiada da codificação italiana “fascista” de 1942, já seria motivo suficiente para a edição de um novo Código Comercial. Mas há também um outro motivo, ainda mais importante: a defesa do livre mercado!
                Exatamente no momento em que o Brasil vive uma oportunidade única de crescimento e prosperidade, aumenta exponencialmente a intervenção do Estado na economia, criando-se um paradoxo inexplicável e injustificável. Princípios básicos do regime capitalista, como livre iniciativa e liberdade contratual, são solenemente desrespeitados. O Estado regula cada vez mais a economia, criando e sustentando duopólios e oligopólios em setores estratégicos, como aviação e telefonia. O Poder Judiciário se sente cada vez mais à vontade para intervir nos contratos, e relações empresariais simétricas sofrem pesadas limitações de um dirigismo contratual descabido. A carga tributária chega a percentuais proibitivos ao empreendedor, quebrando empresas e tirando a competitividade de produtos e serviços dos abnegados empresários brasileiros. As intocáveis leis trabalhistas, que só prejudicam os trabalhadores a que visam proteger, impedem a criação de empregos e burocratizam o mercado de trabalho. Os pacotes de socorro em tempos de crise distorcem a regra de competição empresarial, criando risco moral e favorecendo apenas os ‘empresários’ bem relacionados. Em suma: não se tem um ambiente de livre mercado genuíno.
                O observador mais atento pode questionar: um novo Código Comercial não resolve esses problemas. Para tanto, seria necessária uma profunda reforma do Estado. Em parte, é verdade. Mas muita coisa pode melhorar com a edição de um novo Código Comercial, desde que ele seja uma lei concisa e principiológica, que, por exemplo: a) assegure a plena autonomia da vontade das partes, em respeito à simetria natural das relações contratuais empresariais; b) estimule a arbitragem como meio de solução de conflitos entre empresas; c) dê condições ao surgimento e desenvolvimento de órgãos auto-regulatórios, sobretudo no mercado de capitais e no ambiente de fusões e aquisições; d) desburocratize os serviços de registro de empresas, assegurando a livre iniciativa e a livre competição verdadeiras. Enfim, um código que se limite a assegurar, sem medo, a LIBERDADE.
                 Não foi à toa que o Direito Comercial nasceu como um direito consuetudinário, a partir da compilação dos usos, costumes e práticas mercantis dos mercadores burgueses medievais. O genuíno Direito Comercial é a Lex Mercatoria, isto é, a regra que nasce da interação livre e voluntária dos que se dedicam ao exercício de atividade econômica. Um bom Código Comercial é o que, simplesmente, deixa o mercado funcionar.
                O livre mercado, no Brasil (e no mundo também, infelizmente), vem sofrendo duros golpes, à medida que se desenvolve esse estranho capitalismo de Estado. Por incrível que pareça, a edição de um novo Código Comercial é a última trincheira dos que acreditam no capitalismo e no ideal de liberdade que ele carrega consigo. Portanto, que nos entrincheiremos e lutemos, mas armados apenas de idéias.

André Luiz Santa Cruz Ramos
Procurador Federal junto ao CADE e professor de Direito Empresarial.

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